Quando você olha para você em realidade, toda experiência é
caminho e mesmo que seja algo aparentemente igual, torna-se estreia porque é
mais um pouco de você que se abre e se amplia ou se apresenta para este fim. E
por isso sempre soma, sempre agrega. E por mais estreito que seja esse caminho,
possui sabor porque é você ali, acolhendo-se por inteiro – tem cheiro, gosto,
textura, som, cor – tem você.
Agora, quando o olhar volta-se para fora ou quando não é você em realidade, passa-se a apenas
fazer eco às vozes que habitam a cabeça, pois se aprendeu em algum momento que
essas vozes são as “certas e devem ser seguidas” - tudo é frágil, superficial demais ou torna-se
vazio, não preenche, não é substancial porque falta essência.
Muitas vezes pensa-se que está sendo original,
autêntico e verdadeiro em dadas experiências ou é você que está falando ou
opinando, mas não é. Você está apenas repetindo superficialidades dessa mente
condicionada, feito papagaio. E isso acontece porque nossa natureza essencial é
ser inteiro então, sente-se esse impulso de buscar "algo", porém, esse buscar é de dentro para fora e não o contrário.
Estamos acostumados ou condicionados a valorizar o que vem
de fora de nós, isso é algo cultural, inclusive. E fazemos isso sem perceber,
adotamos ideias alheias pensando serem nossas. Ficamos grudados nessas ideias e
de tal forma que acreditamos, de verdade, que somos aquilo e que pensamos
daquele jeito, mas não é assim. Nossa singularidade acontece por
autoconsciência, indo para dentro e sentindo-a, num processo contínuo de ampliação.
É exatamente por isso, por estar grudado em ideias alheias
que você nem sempre gosta de certos caminhos ou experiências que se apresentam e
lhe parecem contrárias àquilo que você acredita. Na verdade você não gosta
porque sente, intuitivamente, que aquilo que você diz ser, é frágil, não tem
sustentação. Porque se for você mesmo qualquer experiência que se apresentar a você ou não fará diferença (não ressoará) ou
agregará confortável ou desconfortavelmente, porque você se reconhece ali. Por isso, o desconforto denuncia algo "seu" ali a ser revelado - o desconforto é tão somente você gritando para você mesmo - "estou aqui".
Aquilo que você pensa ser, é superficial, lembra? Por isso não há sustentação, não gera segurança, não gera confiança porque não há “você” lá. E é por isso, que algumas reações acontecem, em função da insegurança, do medo. Inconscientemente, alimenta-se um medo de ser descoberto e ataca-se tudo e todo aquele que chegar perto de revelar que você não é o que pensa ser. Torna-se cego e surdo nesse medo latente, e destrutivo diante da raiva que te domina na iminência da conscientização, pois, quer sustentar uma imagem que não lhe pertence de verdade e ao mesmo tempo não te dá segurança, mas é tudo o que você tem. Você se torna exigente como se o outro sempre tivesse que atender suas expectativas porque está voltado para fora; fica-se faminto, quer ser saciado constantemente, pois, vive uma falta gritante dentro de si e nem sempre consciente, falta esta que é você mesmo, nessa singularidade. E num ciclo vicioso, fica para fora, consumindo o externo e repetindo o mais do mesmo.
Digo que “o rumo se perde na curva” porque não é você mais a
referência ou o chão por onde caminha, é algo que não faz ressonância à esta
singularidade que “é você”.
Olhar para você mesmo talvez implique em ter que abandonar
isso que pensa ser e isso pode ser feito, mas não sem desconforto, é, é isso
mesmo. Contudo, quando se sabe que você é onde você está indo e por onde está
indo, o desconforto, tão somente, é mais um caminho em você a ser transcendido e por isso tem sabor, tem cor, textura, som, cheiro - é você nesse caminho que também é estreito. (Kátia de Souza - 08/09/2020)
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